VOCÊS VÃO TER QUE NOS SALVAR
Por Francisco Guil
Olhando aqui da América dos Condores o presidente Trump negando apoio à ecologia e Temer refugiado sob a banca do STF... Sensação de pacote de leite furado, de motor quebrado, de catástrofe à vista... Mas o espírito humano é feito de esperança. Mesmo sabendo que ao fim do dia estaremos derrotados, as luzes da aurora vivificam os velhos sonhos.
E quando perdemos a capacidade de andar, apelamos para as muletas. Quando vejo a evolução dos meninos e meninas, que aos dez ou doze anos discutem ecologia, arte, design, cinema, Idade Média (em “minha época” discutíamos búricas, bafo, bete-ombro e a melhor forma de roubar as mixiricas da velha Nheica) , creio estar diante da primeira geração que conseguirá salvar a si mesma. São pessoas que não aceitam quase nada do que dizemos, não estão interessadas em nossas histórias, desprezam as disciplinas escolares, falam tudo que querem na nossa cara sem o menor respeito e estão muito dispostos a lutar até a morte por aquilo que desejam.
Você pode dizer que essa parcela da juventude está “mais alienada do que nunca”, mas deve admitir que jamais houve jovens tão bem informados e tão seguros quanto àquilo que querem, ou não querem, para si mesmos. Você pode dizer que são superficiais e artificiais, e o serão, na medida em que isso possa levá-los mais próximo daquilo que acreditam ser a verdade. E a verdade — embora isso possa doer — a verdade nem sempre está contida na bolsa de valores dos homens probos.
Eu jamais vi, nos indivíduos da minha geração, um tamanho desconforto perante a morte dos animais não humanos e das plantas, como tenho visto em crianças e adolescentes do século XXI. Ninguém, como eles, em idade tão verde, sentiu tão de perto a possibilidade da morte individual e, coisa absurda para a geração dos anos 60 ou 70, a morte da humanidade. Verdade que já se falava de bomba atômica, desde 1945. Mas aquilo era apenas um susto, algo tão impalpável quando as imagens do homem na Lua, produzidas por algum estúdio avançado de Hollywood.
Quanto aos jovens atuais, são pessoas que convivem com a violência e a possibilidade da morte em tempo integral. Eles ouvem uma mistura de músicas que não cabe em meus ouvidos (como nos anos 60 e 70 os Beatles e Stones não cabiam nos ouvidos de meus pais). Adoram ícones idiotas, usam penduricalhos ridículos e imitam tudo que seus astros mostram nas telas de TV e cinema. Aparentemente, formam o bando mais acéfalo, insensato e servil de toda a história humana. Mas por baixo dessas aparências há um caldeirão fervente, um repertório de exigências intransigentes, um sopão cultural jamais visto neste asteróide fumegante.
Você pode desprezá-los como força real, mas se comparar com o que foram as gerações anteriores, perceberá o tamanho do monstro que está sendo criado. Compreenderá o quanto éramos inocentes quando tínhamos a idade desses garotos! Nunca, como hoje, os jovens e as crianças representaram tão bem o “futuro da nação”. Nós, maiores de 30, 40 ou 50, mal conseguimos constatar que o barco está indo a pique, e estamos ainda discutindo se ele está realmente furado.
Não seremos capazes de encontrar uma solução porque — os meninos e meninas de hoje irão descobrir isso num futuro próximo — porque estamos usando as fórmulas erradas. Nossa maior descoberta, nos últimos 100 anos, foi a de que Newton e Descartes não estavam completamente certos ao afirmar que o mundo é feito de peças que se encaixam com perfeição. Os jovens atuais trabalham com o caos e os fractais desde os mais tenros anos. Mais que as fórmulas do Einstein, a internet relativizou a vida real. Os argumentos absolutos que os déspotas de todos os tempos usaram e usam contra os anseios populares não se encaixam nos novos programas mentais.
Eis o verdadeiro “Bug do Milênio”. Por conta disso, em algum momento o confronto se tornará inevitável. A velha guarda, os velhos pensadores, os velhos industriais poluidores, os matadores, o velho jogo mafioso dos covardes que reinam nos palácios dos países e das cidades, a velha etiqueta, o velho tapinha-nas-costas, tudo isso virá abaixo pelas mãos dos guerreiros do vídeo-game. Daqui a cinco ou dez anos eles saberão que sua vida está sendo matada, e não suportarão que isso seja fruto de um pequeno grupo de gananciosos que não podem abrir mão das embalagens de plástico.
Copiem e colem o que estou dizendo: a noite vai cair sobre a Terra, as estruturas vão ruir, tudo vai virar fumaça, e nos primeiros alvores do novo dia ouviremos a voz crescida de Pablo Milanês, repetindo eternamente: “Renascerá mi pueblo de su ruína... retornarão los lírios a las canciones... y pagaran su culpa los traidores”. Pelo menos, é esta a esperança deste velho, que ainda não se conseguiu salvar-se a si próprio por conta de si mesmo.