O AUSTERICÍDIO FISCAL E A HIPOCRISIA QUE NOS GOVERNA
Por Célia Zerbato
A expressão hipocrisia vem do grego hupokrisis e pode ser definida como ação ou efeito de fingir, ou hábito que se baseia na demonstração de uma virtude inexistente. Dito de outro modo, hipocrisia se aproxima da fala “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”. Hipócrita, o governo usurpador se envaidece de seu programa de ajuste fiscal, sendo a Proposta de Ementa à Constituição, PEC 55 (anterior 241), a expressão de maior visibilidade do austericídio de corte de gastos sob o mote de equilíbrio das contas públicas.
Sem apresentar publicamente uma auditoria séria e transparente da dívida pública, a equipe econômica do atual governo propõe a PEC 55 com o intuito de equilibrar as contas públicas. Aproveitando brechas no discurso oficial, a Senadora Gleisi Hoffmann tem se destacado exímia combatente da aprovação da proposta, demonstrando a fragilidade dos argumentos que sustentam a tentativa de aprovação e implementação do objeto. Conforme dados apresentados pela senadora, a dívida pública sofreu drástica redução na era PT se comparada ao volume do PIB, Produto interno Bruto do país. Assim, atualmente, a dívida se encontra muito abaixo do percentual de endividamento dos países que compõe o G8, grupo formado pelos sete países mais desenvolvidos e industrializados com a participação adicional da Rússia, confirma a senadora.
A proposta apresentada pela equipe econômica do atual governo, que prevê congelamento de gastos com saúde, educação e assistência social por vinte anos, no momento, está em curso no Senado Federal. Classificada como dura pelo seu mentor, o Ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, a proposta se aprovada remove da sociedade e do Parlamento a prerrogativa de modular o orçamento que somente poderá ser incrementado com a correção da inflação. Os argumentos que sustentam a defesa da PEC 55 são muito contraditórios a começar pelo fato de que não existe um consenso sobre qual seria um patamar seguro para a dívida pública de um país.
A dívida pública brasileira atingiu 66,2% do PIB em 2015, conforme dados do Banco Central. Porém, existem países com dívidas menores que a do Brasil, a exemplo do Chile, 14%, mas há também países desenvolvidos com dívidas maiores como os Estados Unidos, 106%; e Japão 248% do PIB, dados também de 2015, segundo a revista Carta Capital. Alguém viu o Japão implementando austericídio fiscal e pacotes de destruição dos direitos sociais em nome do controle de sua dívida pública? Pois é.
As contradições em relação a PEC 55 são colossais, as ações do atual governo têm revelado que ao mesmo tempo em que se prega duro ajuste fiscal, por outro lado, verbas públicas são liberadas a bel-prazer para atender diferentes interesses que não os do povo.
Nos principais veículos de comunicação tem sido notório a veiculação de diversas notícias, em plena campanha de ajuste fiscal, que demonstram a farra com o dinheiro público manifestada em diferentes ações governamentais: a) no aumento salarial de 41% para os ministros do STF; b) no reajuste de 47,3% para carreiras da Polícia Federal; c) no aumento de cargos comissionados em 1,4 mil postos; d) no jantar de aproximadamente R$50 mil reais para parlamentares (ressalva-se a programação de mais dois jantares, sendo um para os senadores e outro para os ministros do TCU, informes dados por Temer em entrevista no último programa Roda Viva); e) no aumento dos gastos com cartões corporativos, o usado por Temer e Marcela somou 12 milhões em seis meses, expressando 40% da soma total dos gastos com esses cartões nesse período; f) no uso excessivo dos aviões da FAB pelos ministros do governo, sendo realizadas 238 viagens sem justificativas oficiais; g) na cerimônia de R$600 mil reais em comemoração ao centenário do samba; h) nas enormes inversões de investimentos direcionadas aos grandes veículos da mídia brasileira. Todavia, uma das maiores contradições do ajuste fiscal é não ensejar uma reforma tributária, que penalize especialmente as elites. A casa Grande ficou fora do ônus do austericídio.
As contradições do ajuste fiscal expressam “a hipocrisia nos governa”.
Quais são as vozes que se erguerão contra essas mazelas? No momento, os estudantes secundaristas e universitários, bem como um grupo significativo de professores dão forma ao grito da resistência. A materialização do ajuste fiscal expressará a consolidação de mais uma fase golpe. O preço? É o cipó de aroeira cantando no lombo do povo. Os gritos das gentes devolverão o verão...
Foto: Canguaretama Nossa Terra