MIGUELIN E O ROSÁRIO
Por Renato Uchôa (Educador)
Bedetha ( Benedita), minha bisavó da outra banda da herança do caráter, viveu em Luzilândia/PI, no beiço do Rio Parnaíba. Uma santa grandiosa, um doce pequeno de pessoa, subindo e descendo as ladeiras, desviando na pisada das ancoretas carregadas de água. Abastecendo as casas.
Banco cativo na missa de padre Jonas, em um dos altares mais belos que meus olhos dados por Santa Luzia, a padroeira da cidade, nos permitiu. Uma visão exuberante, que nos prendia o rabo de porco. No sair correndo para jogar bola no calçadão da Loja Marc Jacob, de onde foi parido vários craques: Tadeu, Mauro... e particularmente o Zico do Nordeste, diferente do outro reacionário que jogou no Flamengo. Augusto (Zico), poderia ter jogado na seleção com os olhos fechados, e jamais perderia um pênalti decisivo, e jamais se venderia, como a safra ruim que vem compondo a seleção de pernas de pau até no juízo.
De mala e cuia no meio da década de 1970 rumo a João Pessoa/PB, que em outras vidas já tinha morado por lá, quando o sentimento na chegada avisou e carimbou meu coração: é aqui que vais viver, é aqui que um dia vais morrer. Bedetha, vez por outra, fazia chegar uma travessa de doce de goiaba de não menos 5 kg. Uma festa em João Pessoa com o melhor doce que já comemos.
Não conheci vó Mércia Uchôa e vô Ezequiel Carvalho. Tinha a maior vontade de vê-los. Morreram antes de nos botar no colo. Luzilândia, como centenas de cidades do interior, determinava o nosso ninar, e no terceiro sinal do apagar das luzes, sebo nas canelas, a escuridão vem nos pegar. Um dia pegou, no abrir da porta, chave ensebada para não acordar vó Inézia e vô João, senti algo estranho vindo das costas, um frio de doer. De terno Branco, Vô Ezequiel na calçada. No outro dia falei com Bedheta. Ela rezou... uma medalha de Santo Antônio de presente, disse ela, é seu padrinho, e mais um Rosário. E arrematou: não mexa com os mortos.
O PT foi criado, a Carta de Princípios deve perambular faz décadas ao sabor do vento e nunca mais se viu, por vários agrupamentos de esquerda que defendiam o socialismo, sindicalistas, professores, trabalhadores do campo e da cidade, presença forte da Teologia da Libertação... E nos primeiros embates que envolveram a independência do Partido em relação ao Estado e os Patrões, as eleições de 1982 foi um marco na vertente Governo dos Trabalhadores.
Depois, depois... Existem razões que todos nós conhecemos e outras que emergirão da mancha que marcará o maior recuo da luta do PT em toda a sua história de organização, em função e na organização das camadas subalternas, durante as gestões do Estado por Lula/Dilma, principalmente com relação a defesa dos militantes históricos como Dirceu, Genuíno...durante a farsa do Mensalão (AP 470), Lava Jato, as direções em retiro no Tibet, enquanto as cabeças rolavam.
Não podemos acreditar só na incompetência das direções que pôr décadas foram burocratizando o Partido. Existe algo mais na conivência. De quebra, da quebra da espinha dorsal do PT. O martelo e a bigorna utilizados internamente contra as frações comprometidas com a transformação radical do Estado. Veio das entranhas. E foram cedendo cada costela nos acordos espúrios com os aliados. O Partido lambeu as cédulas eleitorais e gostou do gosto. Um pulo mortal nos becos sem saída nos acordos de fundo de quintal a qualquer custo.
Nisso Miguel tem razão, periférica, dos caminhos do PT nas várias conjunturas. O que não pode (uma contradição insolúvel) é criticar os acordos de governabilidade (centenas deles que não concordo), para justificar um novo acordo, agora com Ciro Gomes. Um coronel da Praia de Iracema, intragável pelos trabalhadores/as, que não cresce como alternativa, nem como rabo de cavalo. Um morto confuso, truculento, maquiado no casulo das elites dominantes.
Pode, com certeza, açambarcar parte da direção comercial que chora noite e dia para fazer acordo com Deus ou o Cão. Vêm fazendo historicamente. Mas, jamais conseguira, no confuso papel de vaqueiro do coronel Ciro Gomes, tanger as massas para o curral dele, muito menos a militância consciente e aguerrida, que vem, faz décadas, segurando o trampo. Inclusive, a Ela, devemos a eleição da presidenta Dilma, e não aos dirigentes sonolentos do PT, peso dos cordões de ouro de meio quilograma no pescoço e as calças de fundo mole. Só temos um lugar para ir, que é o terreiro da luta, e de Lula. É lutar e vencer. É aqui que vamos morrer ou viver com dignidade, e que seja com Lula do nosso lado.
Por fim, não acredito, Miguel do Rosário não se vendeu. Teve um papel importante no processo contra o Golpe, vem de uma tradição crítica aos desmandos das elites, e não reconhecer a sua postura combativa durante esses longos anos sombrios é temerário. Apenas em um momento de cansaço, de dúvidas sobre os caminhos da luta.
Que Nossa Senhora, quando fez em 1328, com São Domingos, uma recomendação de a reza do Rosário. Atenda um conselho de Bedetha minha bisavó: Miguelin, guarde o rosário e não reze para o coronel Ciro Gomes, não mexa com os mortos. Ciro é um morto-vivo, do clã Gomes que trata o magistério cearense na pancada.
Com uma postura arrogante, e sobretudo a covardia e os ataques a Lula que se encontra preso nas masmorras do Paraná, sem ter praticado qualquer crime. Ciro Gomes é nulo para o processo democrático, um falastrão à deriva, embora, às vezes, engane alguns milhares de almas penadas e desesperadas.