Educação, perfume do gás e o cassetete democrático
Renato Uchôa (Educador)
Manifestos e vigílias não vão nos devolver a vida. A todos nós que enfrentamos a ditadura militar no Brasil. Das diversas formas. Nos anos de flores e de chumbo. E construímos o PT no calor das grandes greves e manifestações de 1978/79, em todo o Brasil.
O regime de terror na encruzilhada. Um marco importante, a legalização do partido em 1982. Independente do Estado e dos Patrões. Desviado da continuidade na forma e conteúdo da luta ou não. Pertinente, foi preciso duas décadas para que o PT mudasse a essência, a Carta de Princípios, quando da fundação.
A quebra e extinção dos núcleos democráticos, por categoria, bairros, outros, foi tangendo para as alianças eleitorais com anjos travestidos de cães e cães de anjos. Esqueceu, queiramos ou não, que a sociedade se divide em classes: a que detém os meios de produção e enriqueceu enormemente no governo petista, o que foi facilitado pela política da governabilidade e dos pactos dos túneis escuros. Nenhum pudor, nem agradecem. Pelo contrário, os aliados deram o Golpe e roubaram o mandato legítimo da presidente Dilma.
De outro lado as camadas subalternas esperando o pagamento de uma dívida das elites que governam há cinco séculos. Não obstante os grandes avanços em algumas áreas, políticas públicas implementadas; a integração ao mercado consumidor de milhões de brasileiros, expansão dos Centros Tecnológicos, expansão das Universidades Federais; programas de financiamento que tentam situar os emergentes no espaço do que se denomina classe média.
Agora querem mais, e muito mais: escolas públicas de qualidade social, hospitais (plano de saúde é caro), moradia, transporte público de qualidade, segurança. Carros potentes e baratos. Enfim, viver o padrão de vida das camadas dominantes. E já começam a sonhar que o governo golpista de Temer vai tomar até as bijuterias na caixinha do espelho.
Como diria Vandré “... caminhando e cantando e seguindo a canção, somos todos iguais, braços dados ou não...”. A bem da verdade, a geração Samsung 4 em 2013, em movimento nas ruas e avenidas do país, desconhece completamente os sacrifícios de todos, inclusive os da Presidenta Dilma, torturada nas masmorras da Ditadura.
Para além da purificação dos movimentos, assépticos, restritivos, violentamente contra as organizações que portem bandeiras ou quaisquer outros símbolos, tiveram um papel importante na democratização do nosso país e merecem respeito. Portanto, primeiro sintoma de uma inconsciência coletiva, apropriados pela Elite que colocou os Zumbis pedigree, de sangue puro nazifascista para berrar fora Dilma em 2014/2015 e consolidar o Golpe em 29 de agosto .
As manifestações de 2013 descambaram, não obstante o valor simbólico, a dimensão social positiva, dos milhões de manifestantes reivindicando. Ao contrário do que possa parecer, com a justificativa de que todos os partidos e instituições, parlamentares, são corruptos. Injustiça a centenas deles, de vários partidos, que defendem os interesses da população na Corte. Composta pelos senadores e deputados. Importantes, não obstante a desorganização, o caráter de espontaneidade “relativa”.
Em um primeiro momento, na ordem do dia, a situação dos transportes coletivos: tarifas caras, precariedade do sistema. Após, com ajuda da estranha mídia; o debate sobre o ritual político no Congresso e Casas Legislativas, nos estados e municípios. Legislam em função das camadas dominantes da sociedade. Eis o que o movimento não questionou. Faz séculos, a atuação dos legisladores brasileiros assombra o mundo. Salários astronômicos e a fidelidade (deles) aos banqueiros, grandes proprietários de terras, grandes empresários e todos que compõem o bloco dominante.
Ventilaram apenas, não o que se constitui na essência: Congresso Nacional, Assembleias Legislativas, Câmaras Municipais, Governadores, Prefeitos eleitos, por aqueles que também estão nas passeatas. Quando a poeira abaixou, votaram em 2014 em todos eles novamente.
Pelo sim, pelo não, são contra quase tudo e quase nada, na medida em que as questões de fundo, que provocam concretamente a situação de exploração e miséria das camadas subalternas; o lucro dos banqueiros e empresários, no caso do transporte coletivo, nem de longe foram questionadas.
Não é razoável aceitar que a passagem tenha redução em R$ 0,20 ou R$ 1,00 e o Estado destine recursos públicos para o setor. Direta ou indiretamente, com a retirada de impostos importantes que iriam para outros setores: saúde, educação, segurança, moradia, entre outros. E todo mundo bate palmas. Palmas (no fundo) para os empresários do setor. Não perderão nada. Pelo contrário, ganharão tudo.
A crítica é para os adultos, a transformação do PT em um partido tão somente eleitoral, a política de alianças, a desvinculação profunda com os movimentos sociais, o PT noivou com eles e deu o balão do noivo fujão, é que fez, entre outros fatores, a pavimentação da estrada do golpe. O PT ( a direção) foi omisso, tem uma atuação pífia desde o processo do Mensalão. A direção nacional do partido não possui mais a condição de chamar os trabalhadores para enfrentar os golpistas. Urge uma mudança geral na forma dos encaminhamentos, e da própria Direção. Por uma questão de consciência moral toda a direção atual do PT tem que renunciar. Apática, não defendeu como deveria o Estado Democrático, nem antes e nem depois do Golpe.
O PT precisa voltar às origens, é lá que estão os elementos organizativos da independência do partido em relação aos patrões e o Estado Burguês. A saída para o enfrentamento com os movimentos sociais organizados passa pelo combate diário ao governo usurpador de Temer e as Gangues que o sustentam.
Dilma tem que mostrar ao mundo, face a face com os representantes das Gangues historicamente saqueadoras da riqueza do país, quem eles são, o que já destruíram em poucos meses de governo interino, dizer para o mundo inteiro o que não disse na ONU: o Brasil foi tomado por um Golpe de Estado. É dirigido agora pelas elites mais perversas da América Latina. O PT de Brasília, os militantes de calça de fundo mole, a direção nacional precisa convocar de todas as formas a população, sem conversa de pé de ouvido, em redes de televisão, rádios, carros de som, para que caminhe em direção ao Supremo, a trincheira principal do Golpe.
O morro se mantém à espreita em todo o Brasil. Assiste-se a uma parcela da população que cheira ou não, ao invés de cocaína e crack, o perfume do gás lacrimogêneo, spray de pimenta e os “cassetetes democráticos”. Vem por aí o Estado de Terror.
Resistir é preciso, caminhar com rumo é preciso, mais conquistas virão.
Foto: www.pt.org.br