AO SOM DA FOME
Por Lúcia Costa
Eu tenho 49 anos. Desde criança via comícios, não perdia um, até onde dava. Aos 13 anos comecei a sentir vontade de entrar para a política ao ouvir aqueles homens. Eram só homens, falando bonito. Nos seus discursos demagogos (Antônio Carlos Magalhães e CIA), a fome e a seca no Nordeste eram assuntos principais. Apenas assunto de campanhas eleitorais.
Era uma comoção só. Aplausos para aqueles senhores fazendeiros, milionários era o que não faltava. Via aqueles trabalhadores, meio mendigos, sim, mendigos, porque eram trabalhadores rurais que não tinham como zerar suas dúvidas nas mercearias. Compravam as vísceras, tilápia, porque nos rios esse peixe ainda rendia como praga.
Para sustentar aquela pirralhada, 8, 10, 15 filhos. Comer carne era coisa de "patrão". O fazendeiro, sequer, cedia o leite. Mas aquela molecada trabalhava e alguns caminhavam uns 20 km até chegar à escola, onde uma única professora dava aula para turma mista. Quando chegavam na escola já estavam com fome novamente.
Aqueles seres humanos comiam muito mal, barrigudos, cheios de vermes e o café era com farinha, porque pão era novidade. Seus pais pagavam uma compra e faziam outra na mercearia. Aquelas famílias só usavam roupa nova uma vez no ano, e olhe lá. "Festa de São João"! Usavam roupas que vinham dos sulistas, porque, afinal, era apenas sul e sudeste que podiam comer, vestir, estudar e sonhar.
Era sul e sudeste que constavam do mapa brasileiro e mereciam a atenção dos presidentes, das "vossas excelências". Para os políticos de outrora, dos quais são herdeiros os atuais governantes, os investimentos públicos não podiam ser destinados aos nordestinos.
Nordestino tinha mesmo era que lotar o terminal Tietê todos os dias, desembarcando em paus de arara, ônibus e até no carro daquele ricaço que foi ao nordeste visitar parentes e aproveitou para levar aquelas moças pobres para lhes servirem, inclusive, sexualmente. "Empregadas domésticas" que não ganhavam um salário mínimo.
Pobres moças que tinham que comer o resto, em um outro puxadinho, não podiam sentar à mesa com os finos patrões. Quantas engravidaram de seus patrões, não é? Foram abusadas, mas "eram elas as culpadas". O machismo ainda impera por aqui. Mas elas tinham que abortar.
Se fosse preta, então, ave Maria! Negro? Deus me livre, vai ficar feia minha reputação, "homem de bem" não pode passar por isso.... "Gente de bem"! Valha-me, Deus! Escrevi demais.
Voltando ao Lula: para qualquer nordestino que tem memória, ele deve merecer nosso respeito. Porque o que foi promessa e serviu para demagogos se elegerem ao longo de décadas, Lula tornou realidade. Nem eu acreditava que a transposição do Rio São Francisco fosse posta em prática. Negar a importância desse brasileiro chamado Lula, é uma coisa de quem apenas tem ódio e inveja de sua inteligência e sensibilidade humana.
São os omissos que não admitem discutir as causas das principais mazelas do país. 500 anos de omissão e descaso com a educação não é coisa de fácil reversão. Lula tentou o reparo. Enfim, penso que UM Lula só nasce a cada mil anos, e olhe lá!