A JUSTIÇA SELADA NO CURRAL
Por Ana Paula Romão (Educadora)
Bom domingo a todos e todas. O pensamento do dia está ancorado na frase do escritor moçambicano Mia Couto "Há quem tem medo que acabe o medo". Abro está reflexão para dialogar sobre a audácia da "judicialização da política" pela via da direita e o desejo delirante em policializar os argumentos de quem crítica esse processo, por parte de militantes à esquerda, que, exatamente, passam a desenvolver o "medo dentro medo". Ora, desde a Colonização que o poder judiciário foi atrelado ao poder ideológico do "Mandonismo".
No período Imperial, ocorreu uma engenharia do Estado brasileiro que batizou essa relação judicial-cristã, com a Lei de Terras de 1850. É preciso entender que não existe a "bancada da bala e do boi" somente no legislativo, ela também existe no judiciário, e há muito tempo. A maior parte do poder judiciário forneceu os documentos da grilagem, onde em nome da suposta legalidade, retirava o direito dos camponeses que vinham de inúmeras gerações como posseiros e a entregavam ao "coronel" da localidade.
Só existiu um arcabouço de política clientelista, a famosa troca de voto por favores dos coronéis, porque o poder judiciário se acoplava ou se acovardava. Escutei inúmeros relatos de advogados dos trabalhadores rurais sobre os Jagunços que invadiram tribunais para rasgar processo e mandar juiz se calar em dia de ação trabalhista, que se fossem concluídas estabeleceria indenizações, escancaradas na precária legislação, e isso foi nos anos 80.
O famoso Grupo da Várzea era expert nessa forma de articulação (ou intimidação), com o judiciário. Após a CF de 1988 mudou um pouco, mas só um pouco, pois os Relatórios de Direitos Humanos e Interamericanos são fontes de estudo e de denúncia da omissão ou conivência da violação dos direitos do Estado, em que o poder judiciário era (e continua) partícipe.
O Consenso de Washington abriu o comando ao Estado Neoliberal e deu brecha para o "empoderamento" judiciário. Então, após o Governo Bush, nos EUA, o processo da "judicialização da política" ganhou contornos, preceitos e seguidores. Em nosso caso, ganhou corpo robusto. Passou a ser um dos pilares da sustentação do Golpe de Estado, cantada em brado forte pela mídia fazedora de "heróis ". Quer herói melhor, do que um encarnado por um juiz?
Ora, a supressão da democracia desvencilhou o Estado de Exceção e isso causa medo. O medo sobre quais sejam de fato os critérios sobre os quais alguém poderá ser julgado, supostamente, o direito de defesa fica ameaçado. A intenção partidária de dois pesos e duas medidas passa a ser a regra. Nesse processo, outro embrólio, se tem juiz que manda prender sem provas, sem o devido respeito ao direito de defesa. Evidente, que tem o juiz que solta, mesmo com às provas documentais, e em tempo de novas tecnologias, as provas com audiovisual pinotam nos celulares e tablets de cada cidadão, e aí não tem como negar a contradição.
O protagonismo na política então é o judiciário? É isso? Não! O protagonismo são dos movimentos sociais, dos estudantes que ocuparam escolas contra uma reforma arbitrária do currículo, das mulheres que denunciam a violência de gênero e o golpe que nos atinge em cheio, do movimento negro que denuncia o genocídio do povo negro e do fim das políticas públicas que visam superar o racismo, do movimento LGBT que combate o preconceito da diversidade sexual e revigora todas as demais lutas insurgindo o direito à forma de amar e da via campesina e indígenas que denunciam a violência no campo e dos povos das florestas.
Do mesmo modo, das Frentes de Resistência ao Golpe que se formaram com os movimentos sociais e desenvolve ações contra o fim dos direitos sociais, no olho do furacão golpista. Mas, a mídia continua a mostrar a guerra dos "xerifes". O cerne do problema não é a gente se digladiar para saber se tal juiz é o mocinho ou o bandido da história ou se suas ações estão legais na ilegalidade.
A judicialização da política é o problema! Quero continuar com a esperança de vencer os medos!